quinta-feira, 10 de abril de 2014

XVIII Plenária Nacional do FNDC - Tese I: Conjuntura da Comunicação no Brasil

 Há cinco anos, o movimento social brasileiro estava empenhado em mobilizar um amplo leque de organizações e ativistas para preparar a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, cuja etapa nacional ocorreu em dezembro de 2009.



Pela primeira vez, estava institucionalizada uma agenda de debates sobre a democratização da comunicação no país. Discussões sobre radiodifusão, mídia impressa, internet, comunicação comunitária e alternativa, sobre o papel do Estado de criar regras para este setor que permitissem mais pluralidade e democracia. Foram centenas de reuniões, conferências em vários municípios e em todos os estados do país, que resultaram na aprovação de mais de 600 propostas por delegados eleitos pela sociedade civil, pelo governo e empresários.

As resoluções da 1ª Confecom se constituem num rico plantel de diretrizes que poderiam ter sido utilizadas pelo governo para avançar significativamente na modernização das legislações existentes (algumas com mais de 50 anos em vigência), e na elaboração de políticas públicas de promoção de diversidade nos meios de comunicação do país, instrumentos fundamentais para aprimorar e aprofundar a democracia da nossa sociedade.

Infelizmente, nestes últimos cinco anos praticamente nenhuma das resoluções da Confecom se materializou em políticas para a comunicação e nenhuma mudança estrutural no setor de comunicação do país foi realizada.

O compromisso firmado pelo atual governo, logo em seu início, de que a sociedade iria discutir uma proposta de novo marco regulatório para as comunicações foi rasgado. O Ministério da Comunicação, que está sob a gestão do ministro Paulo Bernardo, não apenas deixou de encaminhar uma proposta de consulta pública sobre o tema, como deu inúmeras declarações dizendo que o país não precisa de uma nova lei.

Comprou o discurso do setor privado de que regular é censurar e acabou censurando o debate.
E, para completar, em ano de eleição presidencial, aumenta a ofensiva da mídia conservadora, porta-voz dos segmentos de oposição e da elite econômica nacional e internacional. Num discurso que não ataca somente o governo, mas incentiva uma escalada de pensamentos conservadores e de direita na sociedade. Um ícone deste discurso é a âncora do jornal do SBT Rachel Sheherazede. Alinhada com os setores políticos mais conservadores do país, a grande mídia hegemônica usa sua influência para colocar um ponto final no ciclo político iniciado em 2003 com o governo Lula.

É fundamental registrar que o jogo de poder que se desenrola no Congresso Nacional e as pressões do setor privado sobre o governo têm, entre vários outros fatores, um que é danoso à democracia e que precisa ser eliminado: a questão do financiamento privado das campanhas eleitorais.
Daí a importância de fazer uma profunda relação entre a discussão da luta pela democratização da Comunicação e a luta pela Reforma Política. É preciso acabar com o poder extraordinário que o dinheiro do setor privado exerce sobre o parlamento e também sobre o Executivo. E esse poder não se dá só nos corredores do Congresso, ele ocorre antes, na relação com partidos e candidatos, através do financiamento das campanhas. Como funciona: a empresa dá dinheiro para a campanha eleitoral e, em troca, se eleito, o parlamentar e seu partido devem defender os interesses políticos e econômicos dessas empresas.

O cenário da luta pela democratização da comunicação no Brasil

O único destaque positivo do período foi a recente aprovação do projeto de lei do Marco Civil da Internet pela Câmara dos Deputados, fruto de uma intensa mobilização de inúmeras entidades e ativistas envolvidos com a pauta da liberdade na rede. Um movimento que peitou o governo e o parlamento, fazendo um trabalho incansável para impedir que o lobby das telecomunicações e da indústria de copyright conseguisse emplacar seus interesses no texto do substitutivo do deputado Alessandro Molon. O governo, por várias vezes, acenou com acordos para estes setores, mas praticamente todos eles foram barrados pela força da mobilização social.

A vitória parcial histórica da aprovação do Marco Civil da Internet na Câmara mostra que com a unidade é possível obter conquistas. Uma etapa desta batalha ainda se desenrolará, nos próximos dias, no Senado Federal e nos coloca a tarefa de garantir a aprovação do texto também naquela Casa. Em seguida, devemos pressionar a presidenta para que ela sancione o texto e o transforme em lei, colocando o Brasil entre os países que serão referência internacional na regulação democrática da internet, garantindo a neutralidade de rede, protegendo nossos conteúdos e nossa privacidade.

As denúncias de espionagem internacional feitas por Edward Snowden foram um elemento importante para ampliar a discussão sobre a liberdade e a privacidade na rede. Neste sentido, vale destaque positivo também para a postura da presidenta Dilma Rousseff que se reuniu com o Conselho Gestor da Internet para conhecer melhor sobre o assunto e pediu a contribuição do CGI para pontuar sua fala na Assembleia das Nações Unidas, onde a presidenta fez duras críticas ao governo de Barack Obama e à espionagem de Estado promovida pelos EUA, reiterando a soberania do Brasil e de todos os países, chamando a atenção para a necessidade de avançarmos numa política de segurança global da internet.

Outra conquista que merece ser sublinhada foi a aprovação e regulamentação da Lei de Acesso Condicionado SeAc – ou nova lei de TV por Assinatura. Com a sua implementação, hoje podemos assistir mais conteúdo nacional nos canais de TV por Assinatura, em horário nobre. Filmes, documentários, séries e toda sorte de programas têm tido a oportunidade de ter um espaço para sua veiculação desde 2012, o que contribui para dinamizar a cadeia produtiva do audiovisual nacional, a produção independente e promover um pouco mais de diversidade e pluralidade na TV paga.

Contudo, além do Marco Civil e da Lei do SeAc é difícil elencar outras conquistas e avanços no campo da comunicação. Como pontuou o documento de conjuntura apresentado na Plenária de setembro de 2013, não houve avanços e, pior, o país colecionou alguns retrocessos nas políticas de comunicação.

Como no Plano Nacional de Banda Larga, abandonado pelo governo. Aliás, toda a política para o setor de Telecomunicações no Brasil tem sido traçada em conjunto com as empresas de Telecom, numa vergonhosa subserviência do Estado perante os

3 - Interesses da iniciativa privada. O mesmo serve para o setor da radiodifusão. Vale lembrar que em 2013 uma Comissão Mista do Congresso Nacional aprovou sem qualquer debate público projeto para regionalizar a programação das emissoras de rádio e TV, o que é um presente para as atuais concessionárias do serviço. Nenhuma obrigação de adequação e ainda a possibilidade de abocanhar recursos para produzir programas da casa.

Apesar das inúmeras denúncias, o governo continua tratando as rádios comunitárias como caso de polícia. A perseguição aos ativistas continua, com apreensões e prisões arbitrárias, numa clara demonstração de que o governo ainda não percebeu o papel fundamental da comunicação comunitária para a construção da cidadania e da democracia no nosso país.

O processo de implantação de um sistema público de comunicação no Brasil, a partir da criação da EBC – Empresa Brasil de Comunicação – ainda passa por dificuldades e precisa avançar, principalmente a partir de uma maior convicção do governo sobre a importância de se constituir um sistema robusto, que tenha um projeto distinto do da radiodifusão comercial, e assim, contribua para promover mais diversidade e pluralidade.

É importante ressaltar que a EBC, por meio de seu Conselho Curador, tem mantido ferramentas de participação social importantes para discutir a programação da TV Brasil, de suas rádios e de outros veículos, como a Ouvidoria e a realização periódica de Audiências e Consultas Públicas.

Neste campo ainda, precisa avançar no interior do governo o debate sobre a reserva de canais para as emissoras públicas na TV Digital. Anteriormente, a Agência Nacional de Telecomunicações havia reservado os canais de 60 a 69 para essas TVs. Mas o governo decidiu ceder essa faixa, também conhecida como 700 MHz, para a banda larga 4G e não definiu onde serão alocados os canais para as emissoras públicas. Também é fundamental debater mais amplamente a questão da infraestrutura do sistema, e a viabilização do Operador Nacional de Rede, o debate sobre o financiamento da EBC e a luta pela liberação dos valores e regulamentação da Contribuição para o Fomento à Radiodifusão Pública, taxa que seria paga por operadoras de telecomunicação.

Um espaço privilegiado para essas discussões será o Fórum Nacional de Comunicação Pública. Marcado para novembro deste ano, o objetivo do evento é ser uma continuidade dos Fóruns Nacionais de TVs Públicas. A organização está ocorrendo no âmbito da Frentecom e conta com a participação do FNDC e de diversas entidades que o compõem. Para além de evento, haverá encontros preparatórios para tratar de temas como a digitalização do campo público e até mesmo um debate com os candidatos à Presidência da República sobre o assunto.

Outro setor em que houve claro retrocesso foi na distribuição de verbas publicitárias do governo. Sob o argumento de utilizar “critérios técnicos” como audiência e tiragem, a Secretária de Comunicação da Presidência – Secom-PR mantém a lógica de que os grandes recebem mais. Concentra a maior parte dos seus recursos na radiodifusão e praticamente ignora o peso que a internet vem ganhando nos hábitos de “consumo de comunicação” na sociedade. Iniciativas tomadas pelo ex-ministro Franklin Martins de ampliar o leque de veículos que recebiam receitas de publicidade oficiais, contemplando pequenos e médios veículos do interior e a mídia alternativa na internet foram freadas neste governo. A substituição de Helena Chagas pelo atual ministro, Thomas Traumann, ainda é recente e não nos permite fazer uma avaliação mais precisa sobre que mudanças teremos neste campo.

É importante ressaltar que duas importantes pesquisas sobre a relação da sociedade com a mídia foram realizadas em 2013, trazendo dados que dão suporte à luta política pela democratização da comunicação, reforçando a necessidade de se construir instrumentos democráticos de regulação para o setor, ampliando o papel do Estado na promoção da diversidade e pluralidade. Uma delas foi realizada pela Fundação Perseu Abramo e a outra pela Secom-PR.

O levantamento da Perseu Abramo mostrou que a ampla maioria dos entrevistados 71% é favorável à existência de mais regras para as emissoras de rádio e televisão. Apesar de a TV ser o veículo de maior penetração e audiência, 82% dizem assistir diariamente, 43% afirma não se reconhecer na programação das emissoras.

Outro detalhe interessante é que, para 35% dos entrevistados pela Perseu Abramo, os veículos representam apenas os interesses de seus donos e para 32%, os interesses dos mais ricos. Apenas 8% acreditam que a mídia representa os interesses damaioria da população. Sobre a veiculação de notícias, apenas 21,9% acreditam que elas são divulgadas de forma neutra e imparcial. Concordam em parte s com essa premissa 35,8%, não concordam nem discordam 15,5% e discordam em partes 13,7%. Discordam totalmente 11,5% dos entrevistados.

Ambas as pesquisas apontam para o crescimento da internet como fonte de informação e entretenimento, principalmente entre a população até 30 anos.

Pelos dados da Secom-PR, um quarto da população já acessa a rede diariamente: de segunda a sexta-feira, com uma intensidade média de 3h39 minutos, e durante 3h49 nos finais de semana. Os usuários estão concentrados na faixa etária de até 25 anos, com 77% do total de entrevistados e predominância entre moradores das grandes cidades e pessoas com renda mais alta e maior escolaridade. A maioria dos usuários (84%) acessa a internet pelo computador, mas 40% também usam o celular para entrar na rede. Estes dados só reforçam o debate em torno da necessidade de o Governo rever seus critérios de distribuição de verbas.

A existência de espaços e instrumentos de participação da sociedade – seja no Executivo ou no Legislativo – para debater as políticas de comunicação também não avançaram muito nos últimos anos. Houve a reativação do Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição Federal. Porém, sua composição foi feita sem diálogo transparente com a sociedade, alvo de crítica pública divulgada pelo FNDC. Neste ano, serão renovadas algumas vagas do CCS. Como na primeira vez, a condução deste processo está sendo feita sem transparência e participação. O FNDC divulgou nota reivindicando a participação da sociedade civil no processo de definição dos nomes e começou a articulação do diálogo entre entidades para construir indicações às vagas.

Depois das jornadas de junho de 2013, que mobilizou centenas de milhares de pessoas no Brasil – e que teve um forte espaço para bandeiras ligadas à luta pela democratização da comunicação e muitas críticas às empresas da grande mídia –, o governo tomou a iniciativa de instalar uma mesa de diálogo com as organizações do movimento social que discutem comunicação. A mesa, coordenada pela Secretaria Geral da Presidência da República, contava com a participação do Ministério das Comunicações e de outras instâncias do governo. O FNDC foi chamado a participar da mesa ao lado de outras entidades. Três ou quatro reuniões foram realizadas, mas a mesa foi interrompida, por iniciativa dos movimentos sociais, porque os temas centrais que envolvem a comunicação – o debate do Marco Regulatório, o Marco Civil e a Banda Larga – estavam obstruídos pelo governo, na dependência de uma reunião com a presidenta Dilma Rousseff.

O cenário detalhado da luta pela democratização da comunicação, os desafios colocados para definirmos uma pauta política que possa conquistar avanços neste campo está no documento de Estratégia e Plano de Ação.

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